sexta-feira, 21 de maio de 2010

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Abri os olhos, mas ainda estava sonhando... sim, porque uma realidade nunca seria do jeito que eu estava enxergando. Era uma catástrofe, tudo com cores escuras e frias, pedaços de pessoas mutiladas no chão. Meu estômago queimava em dor. Devia ser minha úlcera atacada. Eu estava meio exausto e tonto. Fui levantando aos poucos, sem entender direito o que estava acontecendo. O fedor era insuportável, eu mal conseguia respirar. Estava sufocado. Uma poeira de concreto embaçava a visão.
Tentei buscar em minhas lembranças o que teria acontecido, mas a busca resultava num vazio. Um vento forte, como um tufão, parecia ter me atirado nestes escombros e destruído tudo e todos ao meu redor.
A tragédia teria afetado minha memória, pois não me lembrava de nada. Quero dizer, lembrava do meu nome, Luiz, e dos meus três filhos, Patricia, Junior e Cristina.
Senti um aperto no coração ao lembrar deles. “Tenho que procurá-los” – pensei. “E se eles estiverem feridos?” - Sai correndo para qualquer direção, olhando para todos os lados, para ver se os encontrava.
Começou a me dar uma vontade incontrolável de chorar e correr. Logo eu, que já tinha passado por tantas tragédias, por que Deus faria isso comigo? Se existe outra encarnação, eu devo ter sido o pior dos seres humanos, e estaria pagando todos meus pecados agora... perder minhas duas esposas, minha empresa e todos os meus bens não teriam sido castigos suficientes?
Aos poucos fui lembrando de coisas do meu passado... pelo menos isso, quem sabe logo teria uma resposta para o que aconteceu.
Enquanto corria, vários pensamentos sórdidos passavam pela minha mente. Minha garganta parecia pegar fogo, devia de ser por causa da fumaça de concreto que embaçava minha visão e atrapalhava minha respiração.
Meu estômago parecia que estava se desmanchando, eu sentia uma cólica profunda e intensa. De repente, senti o chão mole. Meus pés começaram a afundar numa lama. Acelerei meus movimentos, me esforçando para sair dali, pois precisava encontrar meus filhos. Eles eram as únicas coisas que me restavam nessa vida. O Junior era desajuizado e irresponsável, mas um bom garoto, muito carinhoso e companheiro. A Cristina, minha caçulinha, um doce de garota. Ela estava prestes a completar dezoito anos, mas parecia uma menina.
Dezoito anos? Ouvi a voz dela dizer, em tom de desespero, soluçando de chorar:
“-Papai, esse é meu presente de dezoito anos?”
Era como se meu pensamento transpassasse minha cabeça e ecoasse no silêncio daqueles escombros. A frase se repetia tanto, e tão alto, que eu já não poderia saber se era meu pensamento ou minha filha gritando de verdade. E muitas vezes.
Tentei encontrar a direção da voz, corri por todos os lados, mas nada. De repente o silêncio voltou a tomar o seu espaço. Talvez a Patricia tivesse a encontrado e a salvado. Como sempre. Patricia era a mais velha, com 26 anos. Já era casada, mas desde que sua mãe faleceu, ela se tornara nossa mãe. Mãe dos meus filhos, e minha também. Cuidava de nós com todo seu carinho. Seu marido chegava a brigar com ela, por se dedicar tanto aos seus irmãos, afinal, agora ela era casada e seus irmãos estavam bem grandinhos.
Nós andávamos afastados de uns tempos para cá. Ela não aceitava minha nova esposa. Quando me casei com Vilma, para evitar confronto entre as duas, eu quase nunca visitava a Patricia. Isso a deixou rancorosa comigo, então ela também deixou de me procurar. Nem no último Natal me dera um telefonema.
Há poucos dias foi em casa, com um corretor de imóveis, anunciar minha casa para venda. Quando cheguei, estavam colocando a placa no portão. Ela me deu um beijo no rosto e disse que logo nossos problemas estariam resolvidos, pois, ao vender a casa, teríamos dinheiro para pagar as dívidas da minha empresa e ainda comprar um cantinho para o Junior e a Cristina morarem juntos, assim eu poderia voltar a viver com a Vilma. “Antes mal acompanhado, do que só.”- exclamou ela em tom de ironia.
A Vilma havia me deixado há um mês. Uma maldita sexta-feira ela reuniu seus três filhos que moravam conosco, Wilhian, Wesley e Yara, meu dois filhos, Junior e Cristina, na minha frente, e anunciou:
“- Reuni todos vocês aqui, para comunicar uma decisão que tomei. Esse final de semana vou me mudar dessa casa, com meus filhos. Levarei tudo que me pertence de fato e de direito, a partir do momento que nos casamos. Luiz, eu não consigo conviver com seus filhos, principalmente com o Junior, que é desaforado e me enfrenta, não aceitando minhas ordens. Aluguei um apartamento. Se você quiser vir comigo, será bem aceito, pois nós te amamos, caso contrário, fique você com teus filhos e eu com os meus. Mas lembre-se: só você, seus filho não. Já são bem grandinhos para seguirem suas vidas.”
Vilma era uma mulher forte e decidida, já era de se esperar isso acontecer... foi uma loucura casarmos em tão pouco tempo e impormos aos nossos filhos nossas condições, como se eles não tivessem vontade própria. Principalmente aos meus filhos, que perderam a mãe há um ano e ainda precisavam muito de mim. Fui egoísta e pensei só na minha carência afetiva.
Ao lembrar desses fatos, um grande sentimento de arrependimento e dor tomou conta de mim... Eu estava ali, naqueles destroços, sem saber o que havia acontecido e sem saber como meus filhos estavam... Será que eles ainda estariam vivos? Ai que dor insuportável eu sentia ao pensar neles... minhas dores físicas aumentavam e minha consciência parecia tomar vida e imitar as vozes dos meus filhos gritando comigo, dentro da minha cabeça... que tortura...

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