sábado, 22 de maio de 2010

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Quando nos casamos, fomos morar num quarto de cortiço. A cozinha ficava do lado de fora, coberta por telhas, mas ao ar livre. Eu tinha dois empregos, para conseguir nos sustentar e ainda fazer um pé de meia para nosso futuro. Suely era uma mulher dedicada. Sempre que eu chegava em casa, a encontrava perfumada e bonita. Aliás, linda!!! Ela deixava meu chinelo em posição para eu calçar, na porta da sala. A janta na mesa. Sempre tinha uma cerveja gelada para acompanhar nosso jantar, enquanto conversávamos. Suely me tratava como um rei. Minhas roupas sempre limpas e cheirosas.
Nosso lar, apesar de simples, era bem organizado. Suely passava o dia se dedicando a casa, para que quando eu chegasse, sentisse orgulho de ter me casado com ela.
Mas eu sentia ciúme. Não entendia que ela se arrumava para mim. Sempre achava que ela tinha passado o dia na rua e acabara de chegar. Muitas vezes brigava com ela por isso. Houve vezes que eu a agredi e a proibi de usar maquiagens.
Muitas vezes eu chegava em casa cansado, de mau humor, e ela ouvia minhas reclamações. E quando eu chegava de bom humor, ai que ela queria ouvir mesmo minhas histórias. Eu narrava meu dia, e ela imaginava tudo em sua cabecinha fértil, como se ela estivesse vivendo aqueles momentos. Era como uma criança, quando a gente conta uma história, um conto de fadas.
Graças ao meu esforço e o companheirismo de Suely, ficamos apenas alguns meses morando naquele lugar. Logo consegui alugar uma casa maior, com quarto, sala e cozinha, em cima de um comércio, na Rua da Mooca. Era de esquina, portanto a casa tinha janelas grandes e era bastante iluminada.
Suely continuou a mesma mulher dedicada, mas eu percebia um ar de tristeza nela. Talvez fosse a vontade de ser mãe. Começamos a planejar a chegada de um filho. Suely ficava radiante com a idéia. Não podia ver uma criança na rua que seus olhos brilhavam.
Já estávamos dois anos casados, e eu estava em um emprego só, que me rendia quase a mesma coisa que os outros dois. E eu chegava em casa menos cansado, para me dedicar a minha linda esposa.
Eu era um bom vendedor, conseguia convencer as pessoas com facilidade e meu superior já tinha notado minha capacidade, dando-me um aumento nas comissões. Eu vendia enciclopédias, coleções de livros literários e livros de estudo. Também ganhava livros como prêmios de vendas, que eu guardava com muito orgulho, em casa. Sempre gostei de ler antes de dormir. Às vezes lia em voz alta para Suely participar do entretenimento. E ela escutava atenta, imaginando cada história, cada fato, como se tivesse acontecendo na vida dela. Eu tinha o objetivo de, no futuro, montar uma biblioteca particular e, quando me aposentasse, leria todos aqueles livros.
Um dia, Suely disse que queria estudar e trabalhar. É claro que eu não aceitei. Se a mãe dela não a permitia estudar, tinha um bom motivo para isso. E outra, para quê estudar, se ela era esposa do lar? E por que trabalhar se eu ganhava dinheiro suficiente para dar uma vida boa a ela?
Aos poucos fomos comprando mais utensílios para a casa e melhorando nosso padrão de vida. Pela primeira vez pude comprar uma televisão colorida. Para Suely, aquele era nosso maior tesouro. Ela adorava ver os comerciais e decorava todos os textos. Acompanhava as novelas e criava sempre uma história para cada personagem. E ficava revoltada quando a história não saia do jeito que ela gostaria que fosse.
Passou-se um ano e Suely ainda não conseguira engravidar.
No comércio abaixo de nossa casa, trabalhava Dona Ruth, um senhora de idade, muito vaidosa, que freqüentava um centro espírita de umbanda. Suely ficava fascinada com as histórias de Dona Ruth e enfiou na cabeça que não conseguia engravidar porque tinha um espírito ruim ao lado dela, que a impedia de ter filhos. Suely ficou tão abalada com isso, que acabou me convencendo a levá-la ao centro espírita.
Madrinha Teresa, a mãe de santo do terreiro, assim que pôs seus olhos em Suely, a chamou para o centro de uma roda. Mulheres vestidas com saias rodadas, coloridas e brilhantes, turbantes na cabeça e várias jóias, cantavam e batiam palmas em volta de Suely. Homens batucavam em instrumentos feitos de côco e couro. Davam ritmos as cantigas.
Dado um momento, Suely começou a rodopiar com seus braços abertos, depois se jogou no chão. As mulheres começaram a cantar mais forte e Madrinha Teresa entrou no círculo com Suely. Então ela se levantou, meio encurvada, em direção à Madrinha Teresa, com suas mãos para trás e seus olhos fechados. Suely ria de um modo diferente, escandaloso. Dona Ruth me explicou que ela havia entrado em transe. Um espírito havia tomado conta do corpo dela.
“- Que ridículo”, - debochei.
Fui criado na igreja católica, com princípios rígidos. Havia estudado para ser padre e, embora eu percebera que esta não era minha vocação, me mantinha fiel a Deus e aos princípios. Não acreditava que aquilo estava acontecendo e Suely estava compactuando com aquela farsa. Mas fiquei assistindo. Não iria fazer um escândalo na frente de todos, mas em casa Suely iria ter a lição merecida.
Deixei todo aquele espetáculo teatral dar sua seqüência. Quando Suely ”voltou a si”, dizia não se lembrar de nada, mas me olhava com cara de medo. Ela percebeu que eu não gostei do seu comportamento e sabia que uma surra a esperava em casa.

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